Brasil já
concedeu 134 pedidos de refúgio por perseguição sexual
Publicado
em 28/11/2018 - 17:59
Por Débora
Brito - Repórter da Agência Brasil Brasília
O Comitê Nacional para Refugiados
(Conare) recebeu, pelo menos, 369 solicitações de refúgio relacionados a casos
de perseguição por orientação sexual e identidade de gênero de 2010 a 2016.
Desse total, foram reconhecidos 134 pedidos da condição de refugiado e outros
195 estão pendentes de análise.
Os dados foram divulgados nesta
quarta-feira (28), em Brasília, pelo Conare, órgão vinculado ao Ministério da
Justiça, e pela Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). O Brasil é o
quarto país do mundo, depois de Inglaterra, Bélgica e Noruega, a fazer
levantamento específico sobre as solicitações da condição de refugiado
considerando os motivos associados à população LGBTI. Os números estão
disponíveis em uma plataforma online e serão atualizados anualmente.
De acordo com a pesquisa, a
maioria dos países de origem dos refugiados LGBTI é do continente africano. Os
países que mais forçam a migração da população LGBTI são os que criminalizam a
homossexualidade ou não têm condições de proteção dessas pessoas. Nigéria,
Gana, Camarões e Serra Leoa lideram a lista de nações de onde saíram os
refugiados LGBTI que vivem no Brasil.
O Conare esclareceu que, nesse
universo, nem todas as pessoas que solicitaram refúgio são LGBTI, no entanto
foram perseguidas em seus países por serem identificadas com a causa das
minorias sexuais - como ativistas e militantes - ou por serem portadoras do
vírus HIV.
O Conare também reconhece que o
número de solicitantes pode ser maior, pois nem todos os casos puderam ser
identificados no sistema de busca dos dados do governo federal, uma vez que
muitos solicitantes não se sentem à vontade para expor os reais motivos da
perseguição sofrida no país de origem ao fazer o pedido de refúgio.
Perfil
O primeiro caso de refúgio para
LGBTI reconhecido no Brasil foi para um casal homossexual vítima de violência
na Colômbia, em 2012. De acordo com os dados apresentados, os homens gays
representam 65% do total de solicitantes de refúgio por orientação sexual e as
lésbicas, 10%. Entre os solicitantes, também há 12 bissexuais, 28
heterossexuais e duas mulheres trans de Angola.
A faixa etária predominante é de
18 a 29 anos e a maioria deles também são perseguidos por outras questões
relacionadas à política ou religião, por exemplo. Os dados mostram ainda que a
região brasileira que mais concentra os refugiados LGBTI é o Sudeste.
Lara Lopes, 34 anos, é uma das refugiadas
africanas que escolheu o Brasil para fugir da perseguição por ser homossexual.
Formada em Administração de Sistemas, Lara nunca pôde exercer a profissão em
seu país, Moçambique, devido ao preconceito.
Emocionada, ela conta que viveu
várias situações constrangedoras e humilhantes que motivaram sua decisão de
deixar Moçambique. “Não é fácil, é complicado. São muitos refugiados que estão
aqui, mas muitos não têm aquela coragem de viver a vida, mesmo saindo de seus
países. A gente sai da África, mas a África não sai de nós. Nós viemos de
países que têm leis que permitem matar homossexuais”, disse.
Lara disse que muitos governantes
do continente africano negam a existência da população LGBTI em seus países e
dizem que os homossexuais são “abominações” e “manchas” da sociedade. Ela disse
que já “perdeu” duas amigas e chegou a passar dois dias na delegacia com sua
ex-companheira sem que as autoridades apresentassem um motivo para a prisão.
A refugiada está terminando um
curso de Gestão em TI e não pretende voltar para Moçambique, onde ela diz que
se sente inútil. No Brasil, ela também tem se firmado como uma ativista pelos
direitos dos refugiados.
“Busco ser no meio deles uma
protagonista. E essa plataforma vai ajudar muito, porque eu, como ativista,
acredito que usando esses dados posso ajudar muitos refugiados e direcionar
boas coisas para aqueles que desconhecem seus direitos.”
Segurança
Apesar de o Brasil ser
considerado um país com altos índices de violência contra homossexuais, os
refugiados LGBTI consideram o território brasileiro mais seguro. Lara disse que
nunca foi vítima de preconceito no Brasil e só o fato de o país ter dados sobre
discriminação e homofobia, além de possibilitar a atuação´de um movimento
organizado de defesa dos direitos da população LGBTI, já representa um contexto
de maior aceitação.
Coordenador-geral do Conare, Bernardo Laferté,
reconhece que o Brasil ainda tem muito a avançar - Arquivo/Agência Brasil
O coordenador geral do Conare,
Bernardo Laferté, disse que o Brasil tem muito a avançar na questão de
segurança, mas já apresenta condições de oferecer conforto para essa população.
“Ouso dizer que somos um país seguro. Não é a segurança que todos nós
gostaríamos, mas nós temos meios legítimos de repressão, policial e judicial,
para lidar com atos de violência contra a população LGBTI e apoiadores da
causa”.
Bernardo também destacou que o
país reafirma sua tradição em acolher e proteger os refugiados ao dar
visibilidade aos dados de refúgio por grupo social. O Brasil tem atualmente
cerca de sete mil refugiados e 149 mil solicitações de refúgio em aberto.
“É também uma ação de
transparência ativa do governo federal em evidenciar esses números, que até
então nunca tinham sido mostrados, é inédito aqui no país. É uma parceria com o
Acnur e faz um convite ao meio acadêmico e todos que trabalham com o tema LGBTI
para tentar compreender esses números, qual a origem, as causas e como o Brasil
pode melhorar”, disse.
O vice-representante do Acnur,
Federico Martinez, destacou que o Brasil dá um passo importante para ser
vanguarda no mundo quando reconhece a condição de refugiadas das pessoas LGBTI.
Ele também acredita que os números poderão estimular a análise sobre a
qualidade da proteção dada a essa população e motivar a aprovação de uma lei
brasileira que criminalize a homofobia.
“Eu acho que também dá para
empoderar o coletivo LGBTI. A ideia é como utilizar esses dados para continuar
desenvolvendo políticas públicas para proteção desse coletivo”.
Edição: Fernando
Fraga
Tags: Acnur
LGBTI
refugiados Conare
Lara Lopes
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