Um candente apelo ao Supremo Tribunal
Federal do Brasil!
31 de outubro de 2019, 8h00
Resumo: De como
Globo News, Sardenberg e Roberto da Matta me assustaram!
Eu estava no
plenário do Supremo, na condição de subscritor da ADC 44 e de amigo da Corte,
representando a ABRACIM, quando se retomou o julgamento da presunção de
inocência, no último dia 17. Vi e ouvi o Presidente da Corte fazer
esclarecimentos. Muito bem-vindos, por sinal. Mas ainda falta dizer algumas
coisas. E, aqui, vou tentar contribuir nessa tarefa.
Por isso, hoje a
Coluna está bem diferente. Não, não estou pedindo para o Supremo Tribunal
julgar de um modo ou de outro. Também não estou fazendo nenhuma apelação e nem
recurso extraordinário. Estou apenas fazendo um outro tipo de apelo: gostaria
que o STF fizesse uma nota de esclarecimento ao povo brasileiro. Sim, sei que o
STF já publicou em seu sítio eletrônico um FAQ – Perguntas e Respostas,
contendo uma espécie de glossário sobre o julgamento (ConJur publicou). Mas não foi suficientemente
esclarecedor (ao menos, o pessoal da GloboNews e metade da comunidade jurídica
ainda não entendeu, ao que se percebe por aí). Explicarei, portanto, meu pedido
na sequência.
A ideia me veio de
três lugares:
·
primeiro, assistindo ao Sardenberg na
Globonews, ocasião em que ele dizia que o STF estaria proibindo prisão em
segundo grau e isso geraria o caos. Até Roberto da Mata me assustou com um
artigo no jornal O Globo..
·
segundo, um repórter da Globo me
perguntou se, depois de o STF proibir a prisão em segunda instância, o
Parlamento poderia fazer emenda constitucional em sentido contrário; e,
·
terceiro, um jornalista do jornal
mais importante do Rio Grande do Sul, que fez uma coluna – neste caso, a mais
lida do estado gaúcho – intitulada Supremo Tribunal da Impunidade.
A certa altura do texto, ele afirma: “O STF se encaminha para instalar outra
ferramenta de impunidade, proibindo a prisão de condenados em segunda instância".
Pois, acendeu-se a
luz amarela. Houston, Houston, temos um enorme abacaxi para descascar. O
ponto em comum nas três pistas: o fato de que o STF poderá proibir a prisão em
segundo grau!
Eis o ovo da
serpente. Eis o paciente zero da epidemia da desinformação que vem assolando o
país. Alguém está pondo lenha na fogueira. A desinformação leva ao ódio.
Refletindo sobre isso, pensei em fazer este apelo ao Senhor Presidente da
Suprema Corte da República Federativa do Brasil, para que emita uma nota
esclarecendo a jornalistas e jornaleiros, repórteres, alunos e professores de
Direito (estes estão precisando bastante), médicos, enfermeiros, motoristas,
passageiros, caminhoneiros, cantores sertanejos, entre outros.
Queria que o STF
dissesse, como palavra oficial (acho que assim a malta vai acreditar – espero),
o que, de efetivo, exsurgirá de cada uma das teses acaso vencedores no
julgamento das ADCs 43, 44 e 54 (insisto – o FAQ publicado no site do STF não
faz suficientes esclarecimentos, a não ser para iniciados). Destarte:
·
Sendo vencedora a tese constante nas
ADCs, isto é, pedido de declaração de constitucionalidade do artigo 283 do CPP,
disso não resultará a soltura de gente a rodo (p. ex., 180 ou 190 mil presos –
o que assustaria qualquer vivente, até mesmo eu); deixar claro também que disso
não resultará proibição de prisão em segundo grau (e nem de primeiro grau);
·
Que Sua Excelência, o Presidente da
Corte, deixe claro que, se há fundamentados motivos para prender, haverá
prisão; aliás, é possível prender a qualquer momento, mesmo após a segunda
instância; não é automático poder recorrer em liberdade até o esgotamento dos
recursos no STJ e STF, como nunca foi. Pode ser explicado melhor ainda, do
seguinte modo: o STF comunica ao povo brasileiro que está decidindo apenas
se a partir da segunda instância a prisão é decorrência
automática ou se pode ser decretada com um singelo carimbo, ao
sabor dos humores de cada juiz ou Tribunal, ou,
ainda, se isto
só é possível na forma da lei,
preventivamente, desde que fundamentadas as razões, ou,
mais ainda, após o
trânsito em julgado, como dizem a Constituição e
o artigo 283 do Código de Processo Penal.
·
Que, com esse esclarecimento,
jornalistas como Sardenberg (ele está demais!) e quejandos fiquem cientes de
que, se for vencedora a tese vigente, que já existe desde 2016, disso não
resultará que todos os condenados em segunda instância irão automaticamente
para a cadeia. Que fique claro também que o STF até hoje nunca decidiu nesse
sentido. E que só existem dois Ministros que assim pensam, conforme está claro
na ADC 54. Se mais Ministros não aderirem à tese da automaticidade, então que
fique claro, de uma vez por todas, que a prisão nem será proibida e nem será
automática (obrigatória).
Uma nota simples
assim. Para que não se continue com essa algaravia informacional. Para que se
encerre, enquanto ainda há tempo, esse festival de desinformações. E para que
operadores do Direito, do alto e do baixo clero jurídico, parem de operar
(estripar) o Direito, tratando o debate jurídico como se este fosse uma modesta
conversa de boteco, do tipo Fla-Flu. Para que a verdade – vejam só, há
verdades, afinal – seja a verdade, não a fake news de uats que
confunde alhos com bugalhos de propósito.
Chega desses mitos
do senso comum. Que ao menos se coloquem as cartas na mesa. Não, não vai haver
soltura de 190 mil presos; não, não estará proibida a prisão a partir da
segunda instância. E, ademais, mesmo que as ADCs não sejam procedentes, jamais
poderia ser obrigatória-automática. E, não, o STF não é um órgão plebiscitário;
não, o STF não é uma hiena tentando atacar o leão ou os leões.
Enfim, cumprir a
Constituição e o CPP apenas é uma coisa normal em uma democracia. Ou não?
Epistemologia de
mesa de bar não serve. A imprensa e, mais ainda, os juristas que se propõem a
falar sobre o assunto têm responsabilidade.
Que o Supremo
Tribunal Federal esclareça à nação que, vejam só, há verdades, afinal
Lenio Luiz Streck é jurista, professor de
Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e
Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.
Revista Consultor Jurídico, 31 de outubro de 2019, 8h00
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